Sobre autocrítica e perspectivas

Reunião das bruxas

Reunião das bruxas

A Coletiva Marcha das Vadias de São Paulo se reuniu nos últimos dias 15 e 16 de Agosto para um final de semana de imersão, autoconhecimento e autocrítica.

Nosso cotidiano é corrido e estressante, típico de uma grande cidade como São Paulo e de uma sociedade capitalista, imediatista e tecnológica. Além disso, durante o primeiro semestre deste ano, tivemos que lidar com os preparativos e repercussões do nosso ato anual (a marcha organizada pela coletiva, que este ano ocorreu no dia 30 de Maio) e com a entrada e saída de algumas membras (por diversos motivos, sendo um deles a maternidade).

Diante disso, sentimos a necessidade de nos reunirmos para nos conhecer melhor, alinhar posicionamentos da Coletiva, avaliar nossa atuação e forma de organização e formar perspectivas para o futuro.

Nos propusemos a discutir diversos temas, mas, por falta de tempo, não foi possível debater todos eles. Além disso, nem sempre conseguimos chegar a conclusões sobre todos os tópicos. Nossos debates obviamente não esgotam as discussões sobre os temas e nossas conclusões podem ser sempre revisitadas e alteradas, conforme formos aprendendo com nossas vivências.

Nas conversas, constatamos mais uma vez a importância de se interseccionar o combate às opressões cotidianas e estruturais da nossa sociedade. E, para isso, é preciso conhecer as origens de tais opressões e entender como elas atuam.

Discutindo sobre bi e lesbofobia, chegamos ao entendimento de que a homofobia, termo normalmente usado para remeter ao preconceito em relação aos homens gays, é diferente do perpetrado contra mulheres lésbicas e bissexuais. Alguns setores do movimento feminista entendem que não existe bifobia, mas que mulheres bissexuais sofrem resquícios de lesbofobia quando estão com outra mulher. No entanto, esse não é nosso posicionamento.

Assim como a lesbofobia, a bifobia é um preconceito estrutural. As mulheres bissexuais não sofrem discriminação apenas por estarem em um relacionamento homossexual (violência lesbofóbica) ou heterossexual (machismo). Além de serem tratadas como confusas, indecisas e promíscuas, em todo início e término de relacionamento pessoas bissexuais têm que reafirmar sua orientação sexual, que muitas vezes é questionada.

A bifobia decorre da existência de um padrão de monossexualidade que impera socialmente, e se expressa principalmente no círculo de convivência das pessoas, já que a orientação sexual bi precisa estar contextualizada para a discriminação começar. Nisso se dá a crueldade da bifobia, pois o preconceito se concretiza justamente nos espaços e grupos em que a pessoa bissexual tem convivência íntima ou sentiu segurança para expressar sua sexualidade.

Abordamos também a questão da transexualidade/transgeneridade e reafirmamos nosso apoio para que as pessoas expressem seu gênero ou a ausência dele sem sofrer discriminação. Acreditamos que os debates sobre feminismo e causa trans se complementam, pois discutir transgeneridade amplia o debate de gênero dentro do feminismo, tornando-o mais rico, enquanto este ajuda a “libertar” a questão T dos estereótipos de gênero.

Acreditamos na necessidade de interseccionar não apenas a questão trans, mas também de raça. O racismo é ainda latente em nossa sociedade, o que faz com que mulheres brancas, negras e de outras etnias sofram com o machismo de formas diferentes.

A Coletiva já foi questionada sobre como o feminismo da Marcha das Vadias contempla a mulher negra. Isso porque o termo “vadia” e a estética adotada por muitas das participantes nos atos, usados para escancarar a cultura do estupro e afrontar aqueles que culpabilizam a vítima pela violência sofrida, pretendem demonstrar que a mulher deve ser livre para expor sua sexualidade sem ser julgada ou hostilizada por isso.

No entanto, dado o processo histórico-racial distinto entre as diferentes etnias e a hipersexualização da mulher negra, o processo de apropriação e “ressignificação” da palavra não seria possível a mulheres negras.

Ocorre que tanto a Coletiva paulistana como as demais Marchas das Vadias do Brasil e do mundo são movimentos orgânicos que surgiram espontaneamente em resposta a um episódio específico que, verificou-se, ocorre de forma recorrente com mulheres de todos os cantos. Desde então, esta Coletiva amadureceu em seus questionamentos, passando a abordar temas diversos dentro do universo de luta feminista e procurando abarcar as diferentes perspectivas que a heterogeneidade de mulheres e agendas exige.

Acreditamos, por exemplo, que quando, para tratar do tema do aborto, usamos como principal argumento a questão da saúde pública ao invés da escolha da mulher sobre o próprio corpo, estamos preocupadas em tratar a questão de uma perspectiva que interseccione raça e classe (pois, por motivos históricos e econômicos, mulheres negras e pobres estão mais sujeitas a abortos inseguros e suas sequelas, inclusive a morte).

Por tudo o que foi dito, concluímos que é importante apoiar grupos feministas que tratam de opressões específicas, como a lesbo/bifobia, a transfobia e o racismo para dar visibilidade a essas diferentes formas de opressão. Da mesma forma, na atuação da Coletiva, é necessário problematizar e interseccionar sempre para abordar adequadamente as opressões sofridas, de forma heterogênea e não simplista. Entendemos que, por mais diversas que possam ser as expressões do gênero feminino, são nossas opressões comuns que nos unem e é para nos libertar a todas de tais opressões que lutamos.

Entre essas diversas formas de opressão, temos também os padrões de beleza a que são submetidos nossos corpos. O atual padrão de beleza, criado culturalmente e reforçado através de estímulos positivos e negativos, é o corpo magro, sem manchas, sem marcas, sem pelos: um corpo que só existe com o auxílio do Photoshop.

Enquanto a mídia trata de destruir a autoestima de quem não se encaixa nos padrões, a indústria da moda deixa de produzir tamanhos maiores, obrigando as pessoas a emagrecer para usar suas roupas e, ao mesmo tempo, passando a mensagem de que só as pessoas “legais” (magras) usam peças daquela marca, que se torna objeto de desejo por transmitir determinado status. Porém, só a influência da mídia não é suficiente, é preciso que esses padrões sejam incorporados e naturalizados, para que a pressão venha do ciclo social também.

A beleza e a magreza estão associadas ao que é ser mulher, aos padrões de feminilidade. A importância da beleza para a mulher é muito maior que para o homem, pois o nosso valor é estabelecido socialmente através da imagem, enquanto homens são valorizados por outros fatores (ainda que eventualmente opressores de formas diferentes), como inteligência, competência, riqueza, poder.

Também debatemos sobre a forte relação entre padrão de beleza e consumo e sobre como os padrões de corpo e roupa são alterados com grande frequência para garantir o consumo de diversos produtos e o lucro das empresas, fatores fundamentais do sistema capitalista.

Outro elemento essencial do capitalismo é a posse, base do relacionamento monogâmico que predomina em nossa sociedade. Considera-se que o amor romântico monogâmico é estruturalmente construído na não autonomia das pessoas, na insegurança, no controle da sexualidade da mulher (que é traduzido socialmente como ‘fidelidade’), na objetificação do outro e consequente sentimento de posse, no isolamento social (sem o qual a violência doméstica fica quase impossibilitada de ocorrer), na projeção da felicidade própria no encontro com o outro e na exclusividade do amor para apenas uma pessoa. Por isso, entendemos que é necessário que o feminismo se ocupe de discutir outras formas de amor e assim o fizemos.

O amor livre engloba a ideia de romper com o padrão de relacionamento construído pela sociedade patriarcal e pautado pelo machismo e pela hierarquia. A intenção é negar todos os padrões sociais que foram impostos para que as pessoas se relacionem afetiva e sexualmente. O amor livre abre mão da instituição do casamento, seja religioso ou civil, assim como da objetificação do outro (que recai de múltiplas formas violentas sobre a mulher), e de símbolos e comportamentos (como o ciúme) que representam socialmente o padrão monogâmico romântico de relacionamento.

O poliamor se aproxima de várias maneiras do amor livre, pois se pauta pela construção de relacionamentos horizontais e acredita que é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. E se estabelecendo múltiplos relacionamentos, não deve haver hierarquia entre eles.

O poliamor, assim como o amor livre, reconhece que o ideal de amor romântico é uma instituição basilar para a sociedade patriarcal, e que o machismo inerente a este tipo de relação precisa ser constantemente vigiado para não ser reproduzido nas relações poliamorosas, considerando que ao homem sempre foi permitido ter vários relacionamentos. Da mesma forma, os homens são estimulados a serem seguros e a desenvolverem sua autonomia, de maneira que possa possuir e dominar a mulher, a quem a sociedade fragiliza e ataca constantemente a autoestima.

Dessa forma, o processo de desconstrução que a mulher se coloca ao se inserir na rede comunitária de relações poliamorosas é significativamente intenso. As relações poliamorosas devem se basear no diálogo permanente e afetivamente responsável.

Ainda relacionando o capitalismo e suas opressões com o feminismo, passamos a nos questionar se o patriarcado é estruturante do sistema de produção capitalista. Sabemos que é possível existir patriarcado sem capitalismo, e que o capitalismo se apoia no patriarcado, mas é possível acabar com o machismo dentro de uma sociedade capitalista? O sistema permitiria as divisões de riquezas/poder/meios de produção necessárias para isso?

Dessa forma, nos questionamos se é possível fazer feminismo sem combater o capitalismo e as ideias liberais que o sustentam. E, ainda, se é desejável fazer feminismo sem combater um sistema que, ainda que não fosse machista, inevitavelmente, a nosso ver, reproduz e se sustenta nas desigualdades.

Quando as pessoas identificam a Marcha das Vadias com o feminismo liberal, fazem isso por causa da escolha do movimento em tratar da autonomia da mulher e de sua capacidade/possibilidade de escolha. A autonomia, o indivíduo como unidade básica do pensamento são conceitos da teoria liberal. Já a unidade familiar, que é uma estrutura patriarcal, se colocou como base para o surgimento do modelo capitalista. É preciso ressaltar que teoria liberal não é sinônimo de liberalismo econômico.

O feminismo liberal começou reivindicando a participação da mulher no âmbito público. Por um lado, o mote “o pessoal é político” é de difícil conciliação com a teoria liberal, que defende a mínima interferência do Estado e não entende (pelo menos na teoria clássica) a esfera doméstica como âmbito social. Por outro lado, cabe questionar se o feminismo atual conseguiria basear suas teorias sem reivindicar autonomia para a mulher.

Acreditamos que, atualmente, a reivindicação de liberdade e autonomia para a mulher, como indivíduo, ainda se faz necessária. A relação entre público e privado é a intersecção entre patriarcalismo, liberalismo e capitalismo. É o espaço da cultura e da natureza, onde a cultura machista é naturalizada para manter o poder dos homens e seu domínio sobre os meios de produção e capital. Por isso, o feminismo não deve se furtar de atuar nessa fenda (como a MdV-SP menciona em sua carta de princípios, atuar no âmbito da cultura), de questionar a marginalização da esfera doméstica.

Não chegamos a uma conclusão sobre o patriarcado e o machismo serem estruturantes do capitalismo. Porém, seja por acreditar que não é possível destruir o machismo sem acabar com o capitalismo; seja por acreditar que, mesmo independentes, ambos são sistemas opressores que merecem ser combatidos, a Coletiva se identifica como anticapitalista.

Por fim, passamos a debater sobre estrutura e forma de organização da Coletiva, em especial para deliberar se nossas decisões devem ser tomadas com base no consenso ou na votação, questão que tem nos acompanhado durante anos e para a qual ainda não temos uma resposta.

Partindo do texto “Tirania das Organizações sem Estrutura”, de Jo Freeman, escrito na década de 1970, estudamos sobre como organizações sem estrutura ou liderança, formato escolhido como reação à sociedade superestruturada em que vivemos, acabam por criar hierarquias e facções não oficiais, as quais não podem ser controladas. Esse tipo de organização cumpre o propósito inicial de conscientização e debate, mas impossibilita qualquer tipo de ação mais concreta ou em maior escala.

Dessa forma, na falta de objetivos concretos maiores a serem alcançados, as mulheres membras de tais grupos passam a atuar no controle umas das outras. Outra consequência é que grupos menores se tornam suscetíveis à influência indireta de outras organizações, maiores e mais bem estruturadas, as quais darão o direcionamento das atividades em maior escala realizadas pelo movimento feminista.

Ainda que tenha sido escrito décadas atrás, o texto permanece atual, pois identificamos que muitas das situações relatadas no estudo se repetem no movimento feminista contemporâneo. Apesar disso, o artigo também oferece dicas de soluções que, embora mantenham o espírito voluntário, sororário e de respeito aos limites de atuação das outras, conferem certa estrutura e organização para uma melhor atuação dos grupos feministas.

Acreditamos na necessidade de articulação do movimento feminista para tornar sua mensagem mais difundida e conseguir realizações concretas, seja no âmbito da cultura ou dos direitos, que possibilitem uma melhoria efetiva na vida de mulheres.

Em uma sociedade líquida, na qual os interesses fluem, ascendem e desaparecem rapidamente, devemos aproveitar o momento presente em que o feminismo está em destaque na sociedade, e as forças contrárias aos avanços de direito se fortalecem, para nos aproximar, organizar e lutar para alcançar nossos objetivos comuns.

Feministas do mundo, uni-vos.

Conheça Laudelina de Campos Melo

mdv

Ativista sindical e trabalhadora doméstica. Sua trajetória foi marcada pela luta contra o preconceito racial, subvalorização das mulheres e exploração da classe trabalhadora. Combateu a discriminação da sociedade em relação às empregadas domésticas, exigindo melhor remuneração e igualdade de direitos sociais. Sua atuação permitiu a regulamentação do emprego doméstico como fundadora do Sindicato das empregadas domésticas. (mais…)

4ª edição da Marcha das Vadias de São Paulo

Cartaz da campanha de divulgação da MdV 2014

Cartaz da campanha de divulgação da MdV 2014

Após um ano de intensa mobilização feminista, com atos contra o Estatuto do Nascituro, pelo Fora Feliciano, contra a “Cura Gay”, em comemoração ao Dia Internacional de Luta das Mulheres, pelo parto humanizado e por tantas outras causas, o coletivo Marcha das Vadias de São Paulo tem o prazer de convidar a todxs para a 4ª edição de seu ato de rua.

Este ano levamos às ruas mais uma vez o combate à cultura do estupro, que responsabiliza as mulheres por toda violência cometida contra elas, principalmente as de caráter sexual.

Além disso, queremos destacar que toda prática sexual sem consentimento é estupro. E muitas vezes o não consentimento não é verbal, não é explícito. Muitas vezes nos calamos diante de uma violência. Nos calamos por medo, vergonha, dor, estado alterado de consciência, doença ou enfermidade, dúvida, baixa auto estima, nos calamos por estarmos sob ameaça ou chantagem.

Se você não conseguiu dizer não, não significa que você consentiu. Vamos às ruas para gritar que QUEM CALA NÃO CONSENTE!

Precisamos combater a cultura do silenciamento, da naturalização da violência contra as mulheres, da culpabilização das sobreviventes de violência de gênero. Vamos construir uma cultura do diálogo, do respeito, da humanização.

Venha se juntar a nós, no dia 24 de maio de 2014, no vão livre do Masp!

Programação:
11h: oficinas de cartazes e de bateria
12h: início da concentração

13h: apresentação teatral (Grupo Segunda Opinião)
13h30: microfone aberto e jogral
14h: saída em marcha
16h: previsão de horário da dispersão

MdV SP promove aula pública sobre violência sexual e cultura do estupro

MdV SP promove aula pública com Juliana Belloque. Será abordada a violência sexual e a cultura do estupro.

MdV SP promove aula pública sobre violência sexual e a cultura do estupro

O coletivo feminista Marcha das Vadias de São Paulo promove no próximo dia 26, às 14h, uma aula pública sobre violência sexual e a cultura do estupro, que será realizada por Juliana Belloque, defensora pública feminista que atua no Tribunal do Júri de São Paulo. Mestre e doutora em direito penal pela USP, ela integrou a comissão designada para elaborar o anteprojeto do novo Código Penal. A aula ocorrerá no Vale do Anhangabaú, sob o Viaduto do Chá.Na aula, serão abordadas as recentes modificações no Código Penal no capítulo sobre os crimes contra a dignidade sexual, que inclui estupro, violação sexual mediante fraude, assédio sexual e estupro de vulnerável. O que caracteriza esses crimes em termos legais e também políticos serão os enfoques de sua fala. Como atua a Defensoria Pública nesses casos e como o Judiciário vem enfrentando a questão também são aspectos a serem tratados pela profissional. Também será discutido como se configura e quais são as consequências da cultura do estupro, que responsabiliza a vítima pela violência sofrida, e que leva nossa sociedade a preferir amendrontar mulheres em vez de educar os homens a respeitá-las.

Nem sempre é fácil identificar uma situação de violência, principalmente as de caráter sexual em que há algum tipo de envolvimento com o agressor. Não somos educadas para defender e buscar a satisfação de nossos desejos sexuais. Diante de uma situação na qual nos sentimos obrigadas, coagidas, ameaçadas ou impedidas de expressar nosso desejo para satisfazer o desejo sexual de outra pessoa podemos estar diante de uma situação de violência.

A Marcha das Vadias de São Paulo acredita que o pessoal é político e por isso é preciso politizar inclusive o sexo. Debatê-lo publicamente, desvendar as situações de desconforto e medo que podem ser geradas a partir dessas relações, eliminar a naturalização que se faz de relação coercitivas, colaborar na compreensão de quando o sexo pode ser considerado uma violência. Por isso pedimos: tragam suas dúvidas, compartilhem seus relatos, para tornarmos a aula o mais dinâmica e esclarecedora possível.

 

 

Marcha das Vadias de São Paulo 2014

 

Essa aula pública faz parte da programação de atividades pré-Marcha das Vadias de São Paulo, que este ano tem como tema “Quem Cala Não Consente”. Segundo o Código Penal, toda prática sexual realizada sem consentimento é estupro. Se você não conseguiu dizer não, não significa que você consentiu. Quem cala não consente! Muitas vezes nós calamos por medo, vergonha, estado alterado de consciência, dor, violência física ou psicológica, ameaça, chantagem, doença ou enfermidade, dúvida, baixa auto-estima. A 4ª edição da Marcha das Vadias de São Paulo leva esse tema às ruas no dia 24 de maio de 2014, a partir do meio-dia, no vão livre do Masp.

Nova Nota de Esclarecimento sobre a Fanfarra do M.A.L.

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Nós, do Coletivo Marcha das Vadias de São Paulo (MdV SP), nos reunimos nesta quinta-feira com as mulheres que integram hoje a fanfarra do M.A.L. e ouvimos que elas pouco sabiam sobre a situação relatada na nossa nota anterior. Independentemente do porquê de informações relevantes referentes à questão citada não terem circulado entre integrantes antigas e novas da Fanfarra, a MdV SP preza pela comunicação franca e honesta e pela construção de espaços seguros de debate e acolhimento de sobreviventes. O coletivo mantém a posição da nota inicial e apoia a ideia das mulheres da Fanfarra de comporem um novo bloco independente na MdV.

Coletivo Marcha das Vadias de São Paulo

Nota de Esclarecimento – Fanfarra do M.A.L.

Há algumas semanas fomos procuradas pela Bateria Fanfarra do M.A.L que se oferecia para participação do ato de rua (Marcha das Vadias Sampa 2013) que acontece no próximo sábado, 25. Em princípio aceitamos a oferta e ajudamos a divulgar as oficinas que o grupo promoveria.

Entretanto, fomos avisadas de que a foto usada para a divulgação das oficinas era de mulheres que se desligaram do Fanfarra e que não autorizaram o uso de suas imagens.

Temos informações de que recentemente algumas mulheres têm se desligado da Fanfarra do M.A.L por discordarem da falta de posicionamento do grupo em relação a agressores e machistas que mantinham laços de amizade com membros da Fanfarra e, portanto, frequentavam o grupo. As intenções de reverter o quadro ainda não se concretizaram e acreditamos que isso leva tempo e não é trabalho das sobreviventes.

 

A Marcha das Vadias São Paulo estará SEMPRE  AO LADO DAS SOBREVIVENTES  E NÃO FAZEMOS CONCESSÕES.

 

Por este motivo, não consideramos a Fanfarra do M.A.L. um espaço seguro para mulheres e portanto, a MdV SP prefere não se associar ou trabalhar em conjunto com a Fanfarra neste momento.

Conheça os gritos da Marcha das Vadias Sampa

A Marcha das Vadias acontece em São Paulo no próximo sábado, dia 25. A concentração é ao meio-dia, na Praça do Ciclista, que fica no encontro da Avenida Paulista com a Rua da Consolação.

Faltam apenas 5 dias, o suficiente para decorar os gritos que serão puxados durante o ato!

 

1

vem, vem,
vem pra rua, vem
contra o machismo

2

se cuida, se cuida, se cuida seu machista
a América Latina vai ser toda feminista

3


se o corpo, se o corpo,
se o corpo é da mulher
Se o corpo, se o corpo,
se o corpo é da mulher
ela dá pra quem quiser, ela dá pra quem quiser
ela dá pra quem quiser, inclusive outra mulher

4

Ela não anda, ela milita
ela é forte, ela é feminista
ativista, sua luta repercute
tá na rua, tá no mundo e não só no facebook

5

a nossa luta
é todo dia
contra o machismo, racismo
e homofobia (variar com transfobia e lesbofobia)

6

eu amo homem, amo mulher,
tenho direito de amar quem eu quiser

7

a nossa luta é por respeito
mulher não é só bunda e peito

8

a violência contra mulher, não é o mundo que a gente quer…

9
se tem violência, contra mulher, a gente mete a colher..

10

pode chover, pode molhar,
contra o machismo não me canso de lutar (caso de chova)

11

a nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria.

12
ô, patriarcado!
vou te dar um aviso:
você vai ser superado
você vai ser superado
nossa luta é incansável!

13

olha só quem vem aí
as vadias vêm aí
desafiando o medo
quebrando o silêncio
as vadias vêm aí!

14
machistas, racistas não passarão!
ou
machistas, fascistas não passarão!

15

eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente
com a roupa que eu escolhi
e poder me assegurar
de burca ou de shortinho todos vão me respeitar

5 motivos para ir à Marcha das Vadias

Durante a divulgação da Marcha das Vadias desse ano, tem sido muito comum ouvir comentários do tipo:

“Sou a favor da marcha, mas me incomoda muito o termo vadias!”

“Eu apoio o movimento só não apoio o nome.”

“Sou a favor da marcha, mas odeio o termo vadia – acho ele opressivo, pejorativo e cheio de rótulos…”

 

A Marcha das Vadias existe para chamar a atenção sobre os casos de violência a que nós mulheres, somos submetidas cotidianamente. Se essa é uma marcha que se solidariza às vítimas de violência, por que raios esse nome opressivo, pejorativo e cheio de rótulos?

Acreditamos no nosso poder de ressignificar socialmente os xingamentos machistas empreendidos contra as mulheres, simplesmente porque não concordamos com eles. Para o patriarcado, nenhuma mulher é intrinsecamente pura. Essa classificação vai depender das suas atitudes, se a mulher segue à risca o que a nossa educação sexista e burguesa nos obriga: ser uma mulher respeitável, agradável, simpática, ser feminina com requintes de bom gosto, ser uma mulher prendada e que somente com estas qualidades – que por vezes podem suprimir sua essência – ela alcançaria o casamento, que deixa de ser uma opção e passa a ser uma meta a ser atingida em um prazo determinado.

Qualquer deslize e você pode ser jogada para o time das vadias. Ficou com mais de um cara em uma noite? Colocou uma saia mais curta? Bebeu “além da conta”? Pronto, ganhou a carteirinha de vadia. E não existe o meio termo “quase-vadia”. Vai ser vadia 100%. Mas se você se comportar direitinho, seguir as regras, quem sabe o tribunal sexista sentencia que agora você faz parte das mulheres decentes. “Ela mudou, tomou jeito na vida”.

A sociedade patriarcal define que a vadia é a mulher que está inteiramente disponível, não merece ser respeitada, por isso está todo o tempo sujeita a qualquer tipo de uso ou abuso — físico, sexual ou psicológico (joga pedra na Geni!).

Vamos ao nosso top five de motivos para ir à Marcha das Vadias:

– Você já foi desrespeitada, ameaçada, se sentiu apavorada com uma cantada de rua (que na realidade é assédio verbal).

– Você já chamou uma colega de vadia. E se você não foi chamada de vadia ainda (de forma pejorativa), pode chegar a sua vez nessa lógica perversa.

– Você já foi julgada pela quantidade de caras com quem você já saiu.

– Você não aguenta mais notícias diárias de assassinatos, estupros e todos os outros tipos de violência contra as mulheres.

– Você quer viver em uma sociedade igualitária onde as mulheres tenham direito ao próprio corpo.

 

Beaj, te vejo lá!

 

Créditos: Joanah Dark (foto) e Aline Fonseca (edição).

Créditos: Joanah Dark (foto) e Aline Fonseca (edição).

 

Marcha das Vadias Sampa lança campanha de divulgação

O coletivo Marcha das Vadias de São Paulo (MdV SP) lançou pelo Facebook na última quinta-feira (9) uma campanha de divulgação do ato de rua realizado anualmente na capital paulista. Conforme os cartazes forem lançados pela página da MdV SP no Facebook, divulgaremos por aqui também. Pelo terceiro ano consecutivo, a marcha vai tomar as ruas da capital paulista. Partindo da Praça do Ciclista – que fica no encontro da Avenida Paulista com a Rua da Consolação -, o ato percorre a Avenida Paulista e desce a Rua Augusta até a Praça Roosevelt.

Então está combinado: todxs às ruas no próximo dia 25 de maio, em luta contra a responsabilização das mulheres pelas violências cometidas contra nós! A partir do meio-dia haverá oficinas de cartazes e stencil, jogral, performance e manifesto vivo, construído coletivamente por quem desejar falar, denunciar, gritar contra as opressões que recaem sobre as mulheres!

Créditos: Joanah Dark (foto) e Aline Fonseca (edição).Créditos: Joanah Dark (foto) e Aline Fonseca (edição).

Nossos corpos nos pertencem

 

Texto por Priscila Bernardes

 

Em tempos de “pós-feminismo”, fica cada vez mais claro o quanto os problemas mais clássicos do feminismo não foram ainda solucionados. Um deles, o do acesso aos direitos reprodutivos, é tema de uma manifestação que está sendo chamada pelas redes e que vai acontecer onde elas falam mais alto: nas ruas. No próximo dia 24, a partir das 13h, diversas pessoas vão se encontrar no vão do Masp para sair em marcha pela autonomia de mulheres e homens sobre seus corpos e pelo respeito aos seus direitos reprodutivos.

 

Mas, afinal, o que são direitos reprodutivos?

 

Segundo o texto aprovado pela Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994, são direitos que “se baseiam no reconhecido direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais alto padrão de saúde sexual e de reprodução. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência, conforme expresso em documentos sobre direitos humanos”.

 

A Marcha das Vadias de São Paulo (SP) apoia toda iniciativa de luta pelo reconhecimento e respeito aos direitos reprodutivos e convida todxs a participar desse ato tão importante neste momento de ascensão de uma forte onda conservadora no país.

 

O conservadorismo tem ganhado cada vez mais espaço no plano social, especialmente no campo político. A despeito da laicidade do Estado, as instituições políticas brasileiras, principalmente do poder legislativo, estão sendo tomadas por representantes de denominações religiosas que não abrem mão de seus preceitos morais ao atuar politicamente, impondo derrotas aos movimentos sociais, particularmente os feministas e LGBT. As eleições têm sido momentos em que essas práticas ficam ainda mais evidentes. Para ficar em exemplos mais recentes, podemos citar a transformação das eleições presidenciais de 2010 em disputa pelo posto de maior anti-aborto e o abandono da ideia de implantar a política de redução de danos do aborto inseguro para garantir alianças nas eleições municipais de 2012.

 

Charge de Carlos Latuff, por ocasião do uso da questão do aborto como arma política nas eleições presidenciais de 2010.

 

Vou me ater a esses exemplos, pois demonstram como a saúde e a vida das mulheres são leiloadas em troca de apoio político e votos. Isso não é exagero. Nos países em que o aborto é crime, ele é também uma das principais causas evitáveis de morte materna. E não se trata apenas de mortes, mas também de sequelas à saúde das mulheres. Segundo o gerente de Saúde Familiar e Ciclo de Vida da Organização Pan-Americana da Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS), Rodolfo Ponce de León, enquanto a taxa latino-americana e caribenha de mortalidade materna por aborto é de 75 para cada 100 mil nascidos vivos, a taxa de morbidade, ou seja, de casos de sequelas à saúde em decorrência de aborto, é de 1.500 a cada 100 mil, ou seja, é vinte vezes maior.

 

Esses números, que na verdade representam a realidade vivida por pessoas de carne e osso, poderiam ser drasticamente reduzidos se a saúde das mulheres fosse de fato valorizada e a legalização do aborto se tornasse realidade nesses países. Segundo León, o efeito da proibição do aborto sobre o aumento da mortalidade materna é direto. A taxa de mortes maternas cai bruscamente sempre que a prática é legalizada. Quando acompanhada por políticas de educação sexual e planejamento familiar, a legalização leva inclusive à diminuição do número de abortos realizados, como foi verificado na Suíça.

 

Porém, em um quadro de grande dificuldade para a legalização do aborto, como é o caso do Brasil, a política de redução de danos é uma alternativa eficaz para diminuir a mortalidade materna. A política prevê medidas de acompanhamento e orientação por agentes do sistema público de saúde antes e depois da realização do aborto clandestino. Compõe-se de aconselhamento sobre alternativas, métodos e riscos do aborto, atendimento psicológico e social, entrega de medicamentos antibióticos para prevenir infecções e, por fim, cuidados pós-operatórios humanizados, em caso de complicações posteriores ao aborto.

 

A política de redução de danos causados pelo aborto inseguro foi implantada com amplo sucesso no Uruguai e, por isso, a OMS sugeriu ao Brasil que a adotasse. Em 2004, quando a medida foi adotada pelo país vizinho, a taxa de mortalidade materna era de 70 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. No ano seguinte, a taxa já era menor que 10 por 100 mil. A partir de 2008, o país não registrou mais nenhuma morte materna decorrente de aborto.

 

Charge de Rafael Balbueno, 2012. Segundo dados do Ministério da Saúde, o risco de morte por aborto inseguro é 1,6 vezes maior entre mulheres do Norte do que entre as do Sudeste, 2,5 vezes maior entre mulheres pretas do que entre as brancas e 5,5 vezes maior entre analfabetas do que entre as que têm 12 ou mais anos de estudo.

 

 

Passadas as eleições municipais brasileiras, o assunto promete vir à tona novamente. É preciso estar preparada para o debate e para reagir à ação de grupos conservadores. Há muito a fazer num país em que até mesmo o aborto legal é por vezes negado a quem tem direito e no qual mulheres com complicações causadas por abortos inseguros são denunciadas por quem deveria manter o sigilo profissional e zelar por seu bem-estar.

 

Por isso reforçamos o convite para marchar no próximo dia 24 por nossa autonomia. Devemos ter o direito de escolher se, como e quando teremos filhos. Nossos corpos nos pertencem e não permitiremos que eles continuem sendo campos de batalha!

 

Vídeos sobre aborto:

Vai pensando aí…

O Aborto dos Outros

 

Cartilhas sobre aborto legal:

Anis – Aspectos éticos do atendimento ao aborto legal

CFemea – Vamos conversar sobre aborto? Conheça e defenda seus direitos!

 

Organizações feministas com foco em direitos reprodutivos:

Ações Afirmativas em Direitos e Saúde/Ipas

Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero

Católicas pelo Direito de Decidir

Rede Feminista de Saúde

 

 

* Os direitos reprodutivos, como expressa a definição da Conferência do Cairo, não se restringem ao direito à escolha pela manutenção ou não de uma gravidez indesejada, porém considero que este é um de seus aspectos mais urgentes devido à morbidade e mortalidade causadas pela proibição da interrupção voluntária de gravidez e pela consequente ampliação de casos de abortos inseguros. Isso explica o enfoque do texto.

 

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