Reflexões feministas acerca da mídia marcam o primeiro Seminário Mulher e Mídia

Militantes feministas, simpatizantes, homens e até mesmo crianças marcaram presença no
seminário que reuniu mais de 70 pessoas das 10h às 19 horas.

Às nove e meia da manhã, do dia 6 de outubro, a casa amarela que abriga a Fundação Rosa Luxemburg, no bairro de Pinheiros, na capital paulista, já estava cheia de mulheres, jovens em sua grande maioria, indo de um lado para o outro, organizando o espaço que receberia mais de 70 pessoas para o primeiro seminário Mulher e Mídia: Olhares Feministas. O evento, organizado pela Marcha das Vadias de São Paulo, foi pensando por conta do Dia Latino-Americano e Caribenho da Imagem da Mulher nos Meios de Comunicação, com o objetivo de discutir o papel das mídias ao comunicar, ou seja, ao tornar comum determinadas imagens das mulheres – seja colaborando na manutenção de estereótipos limitados e limitadores, seja difundindo discursos humanizadores que propaguem a diversidade de identidades femininas.

Para compartilhar ideias e fomentar debates a esse respeito, foram convidadas a blogueira feminista, doutora e mestra em Literatura em Língua Inglesa pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora no Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará, Lola Aronovich, que falou da forma como a publicidade retrata as mulheres; a professora de antropologia da USP Heloísa Buarque de Almeida, que falou do processo histórico de construção do feminino na televisão; e a professora de Estudos de Mídia, da Universidade Federal Fluminense, Mariana Baltar, que falou sobre estudos de pornografia e a retomada deste tema a partir do debate feminista não mais como condenação, mas como reivindicação do feminino.

 

Publicidade

Lola Aronovich deu início ao dia expondo suas considerações a respeito da apropriação da imagem feminina na publicidade. Sua fala foi acompanhada por uma série de imagens veiculadas em propagandas que usam a imagem da mulher para ancorar a venda de produtos que vão desde motos a caixões. Em todos os exemplos, submissão, violência e objetificação do corpo feminino saltavam aos olhos.

Lola Aronovich

 

Novela

Já a professora Heloísa Buarque de Almeida remontou aos caminhos sociais que conformam a definição segregadora dos gêneros, ressaltando as transformações que ocorreram na condição das mulheres do século XIX até hoje. “De lá para cá, percebemos mudanças e é justamente esse o ponto. Porque é possível mudar, a desigualdade entre homens e mulheres não é obrigatória”. Nesse sentido, pensar gênero não é só pensar a vida de mulheres e homens, mas sim como se dá a classificação do feminino e do masculino e suas implicações nos contextos público e privado.

O resultado, continua a antropóloga, é que o feminino e o masculino vão sendo constituídos em diferentes instituições como a Igreja, a casa, a mídia. “A mídia, sobretudo as novelas da Globo, opera no sentido de reforçar as categorias de gênero que são socialmente mais aceitas, criando categorias hegemônicas e silencia outras imagens possíveis”. A partir da década de 1980, a televisão brasileira começa a incorporar alguns elementos do feminismo, como a ideia de trabalhar fora de casa, o casamento sem virgindade, uma vida heterossexual variada, além de indicar a relação entre sexo e prazer feminino.

Por outro lado, a TV ainda não incorporou a divisão sexual do trabalho. De acordo com a professora, essa adaptação que a TV faz da construção da imagem feminina está ligada a mudanças nas estruturas políticas e econômicas do país. Nesse contexto, a classificação dos gêneros acaba sendo pautada pelos patrocinadores. A mulher passa a ser consumidora de uma série de produtos e a presença destes patrocinadores na mídia resulta na construção de um modelo de super-mulher. “Essa imagem é também angustiante”, conclui.

Heloísa Buarque de Almeida

 

Pornografia feminista

À tarde, a pesquisadora e professora Mariana Baltar teceu considerações sobre a apropriação feminista da pornografia.
Segundo ela, gêneros cinematográficos como o horror, o melodrama e a pornografia são compostos por narrativas pautadas no modo do excesso e, por isso, possuem intenso poder de
afetação sobre quem assiste. A pornografia feminista defende a apropriação desse poder de afetação visando às possibilidades educacionais e normativas que proporciona. A tônica é a
reeducação dos desejos, desconstruindo estereótipos e desvinculando o sexo da violência.A nova estética oferece à mulher a possibilidade de gostar de pornografia e, mais ainda, o direito a se pornificar, sem que isso provoque culpa ou constrangimentos.

A professora fez um breve histórico sobre a pornografia e o feminismo, partindo da luta anti-porn dos anos 1970, passando pelos grupos anti-censura dos anos 1980, favoráveis à apropriação do gênero para construir contra-representações, até os anos 2000, quando há uma expansão do pornô feminista, facilitada pela tecnologia e pela consolidação do nicho de mercado.

Por fim, ela apresentou os trabalhos de diretoras do pornô feminista, como Candida Royale e Petra Joy, além do projeto Dirty Diaries e fotos do grupo de “terrorismo pornô” Porno Porsi.

Mariana Baltar

 

O dia terminou com a pré-estreia do documentário “4 Minas”, dirigido pela feminista autônoma Elisa Gargiulo.

 

Violência

A participação do público gerou um debate acalorado não só sobre a representação da mulher na mídia, mas trouxe à tona um tema recorrente devido ao impacto que causa na vida das mulheres: a violência doméstica e de gênero. Indagada sobre o que pensa a respeito da aceitação, mesmo que velada, que muitas vezes os agressores recebem no círculo de convivência que têm em comum com suas vítimas, a professora e blogueira Lola Aronovich falou da importância de se pensar em formas de regenerar quem agride ao mesmo tempo em que se procure proteger a mulher nesses espaços.

Dia da Imagem da Mulher na Mídia

A data é uma homenagem ao programa de rádio Viva Maria, lançado no dia 14 de setembro de 1981. O programa, produzido hoje pela Radioagência Nacional e difundido por diversas
emissoras, principalmente públicas e comunitárias, foi criado com o intuito de registrar e colaborar com a luta pelos direitos das mulheres. Tem à sua frente há 31 anos a radialista Mara Régia.

A iniciativa ajudou na criação da primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher e do Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal, com o lançamento de campanhas sobre os temas. Reconhecendo a importância do programa, as participantes do 5º Encontro Feminista Latino-americano e Caribenho, realizado em 1990 na Argentina, elegeram o dia 14 de Setembro como o Dia Latino-Americano e Caribenho da Imagem da Mulher nos Meios de
Comunicação.

 

Texto: Lieli Loures e Priscila Bernardes